Walter Nomura, a.k.a. (also known as) Tinho, poderia ser também conhecido como… ícone, lenda ou mestre do grafite brasileiro. Tantos adjetivos de grandeza falam de um paulistano que é referência no mundo da street art não somente pela trajetória pioneira com desenhos em muros e telas, mas também por sua história de vida e pensamentos que inspiram artistas do mundo todo. Bieto é um deles. Amigo, fã e aluno, Bieto inaugura nesta entrevista com Tinho uma série de conversas com pessoas que formam parte de sua evolução como artista e ser humano.
Se você não conhece as obras e história do Tinho, veja as matérias da Beside Colors e da Dionísio Arte antes de continuar. Se já é iniciado, siga em frente e desfrute das palavras do mestre. 🙂
Como você vê a produção de street art hoje no Brasil? Qual a principal diferença com o que você viveu nos anos 80 e depois viu mudar nos anos 90?
Vejo a produção de street art no Brasil hoje bem abaixo do que eu esperava ou teria projetado anos atrás. Nos anos 80 ainda estávamos descobrindo a linguagem, a história e as técnicas. A internet praticamente não existia para as pessoas comuns. A informação era muito escassa e valiosa. Havia poucos praticantes e havia dois grupos disputando a cidade: um grupo de artistas mais velhos, formandos em Artes, estudantes da ECA-USP e da FAAP, ligados ao Alex Vallauri, que veio da Itália e trouxe o stencil para o Brasil, e o outro, um grupo de adolescentes descobrindo a cidade e os movimentos juvenis, ligados principalmente ao hip-hop e ao skate, praticavam o Graffiti, criado nos Estados Unidos e que se espalhava pelo mundo. Podemos citar ainda um terceiro grupo que eram os pixadores, formado também em sua maioria por adolescentes.
Nesse tempo, tudo era muito diferente de hoje. A economia no país, o desemprego, a violência nas ruas. Era tudo muito pior. Visualmente a cidade de São Paulo era horrível. Lixo pra todo lado, mendigos, crianças cheirando cola, as fachadas das casas bem deterioradas, era muito feio. Pra ajudar, ainda tinha a pixação e os lambe-lambes, que com o tempo iam descolando e rasgando dando à cidade um aspecto de gueto.
Por outro lado, havia nesse pequeno grupo de adolescentes, da qual eu fazia parte, uma vontade muito grande de ocupar a cidade com esse tipo de pintura que vinha dos Estados Unidos e que era realizada com latas de spray. Como a informação era escassa, havia muita união para novas descobertas e para essa missão de ocupar a cidade toda com Graffiti.
Já nos anos 90, o grupo que era ligado ao Alex Vallauri, perdendo seu líder que morrera em 1987, deixou de atuar nas ruas, deixando a cidade ser tomada por esses adolescentes que começavam a crescer não apenas biologicamente mas principalmente artisticamente. Grandes murais começaram a chamar a atenção das pessoas e da mídia nacional e internacional. Independentemente, criaram uma revista que rapidamente se espalhou pelo mundo todo. Artistas que praticavam o Graffiti nos principais países onde ele se instalou começaram a vir para São Paulo para entender o que estava acontecendo. Alguns dos artistas mais venerados na época, vindos dos Estados Unidos, Alemanha e França vieram para conhecer e aprender com os artistas daqui.
São Paulo se tornou a capital do Graffiti. Muitos filmes foram rodados aqui. Muitas matérias em todas as mídias eram feitas aqui. Equipes de jornalismo vinham de todas as partes do mundo pra mostrar em seus países o que estava acontecendo aqui. Nós começamos a ser convidados a expor e participar de eventos em vários países diferentes, nos cinco continentes. Todos respeitavam os artistas brasileiros, em todos os lugares.
Ainda somos respeitados. Mas hoje a cena brasileira já não esta mais em evidência. Exceto pelo trabalho realizado por alguns artistas, o cenário geral mudou muito. Outros países se desenvolveram e junto com eles vieram novos artistas com novas propostas. O Brasil, no geral, deu uma estagnada. A falta de investimentos aliada a um crescimento muito grande no número de praticantes gerou muita disputa. Essa disputa que poderia ser boa para um maior desenvolvimento se mostrou ruim pois aqueles que organizavam eventos, encontros etc deixaram de organizá-los, outros que vieram ocupar esse lugar não vingaram. Outros países começaram a atrair mais a atenção da mídia, que parou de vir aqui pra nos mostrar em seus países.
Hoje vejo muitos começando a fazer Graffiti muito mais por um interesse em ganhar fama e dinheiro do que pelo prazer de pintar na rua. Outros pintam na rua mas com o desejo maior de estarem expondo telas em galerias de arte. Não vejo mais nos artistas de hoje uma vontade de ocupar a cidade. Estão mais ocupados em como vender seus trabalhos.
Em que medida sua posição de artista se assemelha à de professor?
Na medida em que a minha vontade enquanto artista é a mesma que a minha vontade enquanto professor. A vontade de falar. Falar de coisas importantes. Vontade de mudar o mundo. De querer a evolução da humanidade e de se preocupar e traçar um plano de ação pra isso.
Quais os temas de interesse fora da pintura que mais influenciam na sua arte?
Eu me interesso por entender uma pessoa que vive em um ambiente metropolitano. Tendo nascido nele ou vindo morar nele. Entender o que faz essa pessoa permanecer nesse lugar e como ela faz para continuar nele sem enlouquecer, adoecer e/ou morrer. Me interessa pesquisar esse imaginário que se cria a partir dessa relação. Os relatos, as memórias, as histórias, as estórias, os devaneios, as loucuras. Me interesso pelos seus desejos, pelas suas relíquias, suas coleções e seus dejetos.
Como a sua infância e a da sua filha se revelam na sua obra atual?
Eu e meus filhos somos pessoas nascidas em um ambiente metropolitano e seguimos vivendo nele. Portanto, somos objeto e atores dessa pesquisa. Como artista autor, ator e objeto da minha propria pesquisa, sou obrigado a me revelar e a todos os que me cercam em minha obra. Eu sou a minha obra. Meus filhos, como partes de mim, idem.
Há motivações diferentes para cada tipo de trabalho que realiza, seja na rua ou no ateliê, em muros, performances, telas, colagens etc?
Sim e não. A mesma motivação pode me levar a produzir em diferentes linguagens e meios, assim como diferentes motivações podem me fazer permanecer produzindo numa única linguagem e/ou meio. Penso que a escolha de uma linguagem ou meio para a realização de um trabalho tem mais a ver com uma intenção do que com uma motivação.
Como vê o os movimentos coletivos de artistas no atual contexto cultural brasileiro?
Todo movimento é bom. Ruim é ficar parado.
Quais os movimentos artísticos (na pintura, música etc) que você considera de vanguarda hoje aqui no Brasil e no exterior?
Difícil falar de vanguarda hoje. O démodé de hoje é a moda de amanhã. Penso que estamos num momento de transição. Novas tecnologias, novas idéias de espiritualidade, novos comportamentos, novos vírus, novas políticas… muita coisa nova. Creio que é preciso esperar pra se apontar um caminho. Muitos caminhos se abrem em momentos como esse. Para qual caminho seguiremos só o tempo dirá.