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Organismos: história de movimentos e possibilidades

Quem vê as centenas de formas espalhadas por muros e paredes pelo Brasil não é capaz de imaginar que os Organismos de Bieto tiveram um árduo trabalho até chegar à superfície. “O movimento já estava lá, mas eu resistia”.

Camufladas entre outras formas, nas versões borboletas, folhas de árvores, graminha no chão, as formas arredondadas e volumosas criadas pelo artista já apareciam em seus primeiros trabalhos, como detalhes. “Eu gostava muito dessas formas, mas no começo da minha trajetória eu não as aceitava. Tinha que significar aquele movimento, a forma abstrata que já existia, por isso ele acabava virando figura”, conta Bieto.

Casal
Casal

A inspiração: comédia de terror + pintura modernista. O filme “A Coisa”, de 1985, apresentava o personagem-título em um formato sinuoso, textura de marshmallow, que despertava a imaginação do artista. “E gostava muito do volume redondo, lisinho, dos trabalhos da Tarsila do Amaral”, explica ele.

Mas essa mistura nada convencional teve que esperar até que o processo inicial de grafitar nas ruas de São Paulo desse lugar a elaborações mais abstratas, que acabaram por transformar um número maior de ambientes, inclusive internos. “Me reencontrei com esses traços há alguns anos, depois da exposição “Brincando com Coisa Séria” (de 2014). O quadro Átomo talvez seja o meu primeiro abstrato, mas ainda assim é um átomo”, ri Bieto.

Atomo
Átomo, 2014
Seu pai e o dragão das Cores
Seu pai e o dragão das cores, 2014

Desenhar o movimento – e não uma ideia abstrata em si – liberou o artista do figurativo e o guiou na criação dos que chamou de Organismos. O processo de concepção tem etapas bem definidas para que a execução consiga ser o mais livre e fluida possível. “Se pinto na casa de alguém, tento criar um espaço nosso (meu e deles), absorvo o movimento da casa, das pessoas, tento ficar em ressonância com o ambiente e com a família. Se não tenho essas informações, observo como estou me sentindo e como posso contribuir para aquele lugar. Cada emoção acaba refletindo no trabalho”.

A pintura dos Organismos com spray facilita que o movimento interno se traduza em movimentos de pintura com o corpo inteiro, por isso a respiração, os fluxos dos líquidos que se movimentam internamente contam tanto quanto a ideia da natureza em transformação – como o vento e a água -, para formar ondas, redemoinhos de energia em constante deslocamento.

Ao visualizar a orientação da pintura, as formas ganham significados: figuras mais circulares são registros do processo natural de expansão da natureza, que sempre cria mais territórios para se desenvolver; as laterais representam energia em trânsito, fluxos de passagem; já as verticais chegam como chuvas de cores e amor (de cima para baixo) ou evolução (de baixo para cima). “São escolhas em um mundo de possibilidades e a cada hora estou em uma delas”.

Depois de aquecer músculos e articulações, Bieto passa à fase mais meditativa do trabalho. “Nesse campo, me interessa manter a atenção no que estou fazendo naquele exato momento. Foco no presente. E assim cada bolinha do spray é importante, desde a primeira à última. Cada instante reafirma a ideia inicial de comunhão com as pessoas em seu ambiente. E quando isso acontece o resultado é incrível”.

As possibilidades de Organismos são infinitas. Do passado, alguns são lembrados com mais carinho, como o muro do Expo Transamerica, “pelo tamanho e pela interação com os músicos na hora de pintar” e o que habita em uma casa de abrigo para mulheres que sofrem de violência doméstica, a Casa Mariás. Para o futuro, “ainda não fiz tudo o que acho que fica bonito. Estou sempre em movimento, como os organismos, ou vice-versa”, brinca Bieto.

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